A Carlos Lenkersdorf
1-
Por que relacionar Spinoza com uma cultura tão distante como a Maya?
-
Spinoza é um filósofo inatual e deslocado.
a)
INATUAL (no sentido nietzschiano): Spinoza pensa desde outro
tempo:
Visionário-
Profeta de um povo e um mundo por vir- Messias
Negri
indica que Spinoza dá origem a uma mudança de época a pensar as 2
modernidades: uma liberal burguesa, outra democrática
revolucionária.
Jhonatan
Israel, propõe que Spinoza é a base do pensamento ilustrado.
Deleuze
disse que se trata do Cristo dos filósofos, em torno a este mistério
imanente se aproximam e distanciam os demais filósofos.
Antonio
Damasio confirma com métodos científicos do século XX e
particularmente com experimentos e casos de neurologia afirmações
que Spinoza faz sobre a fisiologia do corpo humano e suas emoções.
2- DESLOCADO: Spinoza pensa desde outro, ou outros mundos.
Não
se sabem todas as fontes ou tradições de que se nutre Spinoza. E
das que se sabe, se duvida sobre quanto e de que maneira o
influenciaram. Já que Spinoza não cita outros autores pelos temas
de que fala, por serem proibidos e que custaram a vida de outros
pensadores (a exemplo de Jordano Bruno) e porque sua biblioteca foi
destruída depois da sua morte por seus amigos para evitar relacionar
outras pessoas a ele.
Possíveis
tradições que o influenciaram:
-
Cabala: Deus é ein-sof – infinito.
- As
correntes não dualistas judias que não distinguem entre Deus e sua
criação.
- A
corrente profética ou e eloísta do judaísmo que exalta o
conhecimento e a compreensão sobre a obediência das prescrições
judaicas.
- Se
especula, a partir do selo que usava em sua correspondência, sobre
uma possível influência e participação em algum grupo Rosa Cruz.
- A
introdução de A reforma do entendimento , tem a forma e os
motivos das introduções dos tratados menonitas do século XVII.
-
Deleuze assinala que o cartesianismo foi uma retórica que Spinoza
utilizou para dizer coisas novas e distintas.
-
Negri descobre e interpreta o suposto desenho que Spinoza fez do
corpo e as característica do Napolitano Macianelo de Amalfi com seu
próprio rosto, como se ele quisera dirigir uma revolta popular.
A
obra de Spinoza é um acontecimento filosófico que atravessa os
séculos e que, em grande parte, ainda está por interpretar-se, já
que pertence a OUTRO TEMPO E OUTRO MUNDO, por ele, é necessário e pertinente recorrer a
recursos interpretativos sérios e distantes no tempo e no espaço.
2 – Quem são os Mayas-tojolabales?
Junto com outros 30 grupos Maias, como tzotziles, tzeltales, mames y
choles, que se encontram no México (no sudeste e na região
denominada Huasteca), assim como outros povos que residem nos países
centroamericanos de Belize, Guatemala e Honduras são povos Maias.
Desta forma, os maias não desapareceram mas são contemporâneos
nossos.
Os Maias-tojolabales habitam sobretudo os municípios de Las
Margaritas e Altamirano e o estado de Chiapas no México, mas desde o
levante zapatista de 1994 em municípios autônomos em que se
subdividiram desses municípios. Se estima que sua população é de
aproximadamente entre 50 mil e 80 mil pessoas.
Afirmamos que o caráter radicalmente distante e adequado para pensar
tanto teórica quanto praticamente o pensamento de Spinoza é o
chamado ¨Princípio Nosótrico”, e o que se baseia toda sua
cultura.
Os Tojolabales têm outro princípio cultural distinto do ocidental,
enquanto o ocidente tem como princípio o Eu-indivíduo, os
Tojolabales têm como princípio o Nós.
Carlos Lenkensdorf filósofo e lingüista que viveu 30 anos nas
comunidades tojolabales, onde viveu um processo de enculturação,
explica esse “princípio nosótrico” em função de dois
elementos básicos que se ramificam em todos os aspectos da cultura
tojolabal:
- TIK. Em todas as línguas Maias a palavra chave de sua estrutura gramatical é o fonema TIK que estruturalmente se apresenta como um sufixo e uma espécie de desinência em todas as expressões Maias, e significa “nós”, em outras palavras, toda expressão lingüística e pensamento se refere a “nós”, como na comunidade. Do qual determina todos os aspectos da vida social e cultural produzindo relações sociais definidas pelo coletivo, de maneira explícita e consciente. De maneira que ao escutar qualquer frase Maia sempre se escuta o fonema TIK, que está conjugando um verbo o indicando o pertencimento de algo na comunidade.
- INTERSUBJETIVIDADE. As línguas Maias possuem uma característica gramatical somente compartilhada com o basco: não há objetos, todos os substantivos são sujeitos de enunciação, de maneira que não há objetos exclusivamente passivos que carregam a ação dos sujeitos que possuem a exclusividade de ação, ao contrário disso, o todo e todos são sujeitos de enunciação e ação , que interagem entre si. De tal maneira que todos são sujeitos nos momentos de interação e com os que fazem comunidade: seres humanos, animais, plantas, utensílios, elementos naturais, os planetas, as estrelas...
No
ocidente apesar de existir um predomínio individualista do Eu,
existe uma objetivação-enação da totalidade de mundo, de modo que
o todo e todos se convertem primeiro em objetos úteis e depois em
mercadorias comercializáveis. Quando
se inclui os outros homens nessa conversão em objetos e mercadorias
como é evidenciado na estrutura do objeto indireto, o outro deixa de
ser importante, senão como receptor passivo de minha ação, como
por exemplo:
“Eu”
posso dizer, corretamente em uma língua ocidental, que falo com
“Você”, e em minha expressão a única coisa que importa é que
estou dizendo que EU falo com você, não importa se você não
entende, se está escutando ou até se é surdo, já que você se
converte em objeto de minha ação. Contrariamente a isto, de acordo
com os maias-tojolabales, eu teria que dizer simultaneamente que eu
falo com você e que você me escuta, reconhecendo assim seu caráter
de sujeito ativo. Incluindo a forma dos verbos, os utensílios
domésticos, uma planta, um animal, ou a terra têm a experiência,
vivência, de interagir comigo em formas verbais que simultaneamente
expressam a ação de ambos sujeitos interativos.
Se
todos podem interagir nesse Nós que somos é porque tudo possui
atzil, coração ou princípio vital. E então, existe realmente uma
sociendade que é uma comunidade de sujeitos que vão mais além dos
seres humanos e que definem em todos os aspectos da vida social uma
relação de respeito, interação e colaboração no Comum.
3.
Spinoza e o Comum
Desta
maneira a ação entre Spinoza e os Maias-tojolabales possuem vários
aspectos que se articulam a partir do princípio do Comum.
E a razão para
estabelecer e aprofundar esta relação é que, por uma parte,
permite ter uma perspectiva distante (inactual e deslocada) para
interpretar e compreender teoricamente o que Spinoza havia dito e que
todavia não há se entendido completamente, e por outra, que a
perspectiva maia-tojolabal é simultaneamente uma experiência
prática e na práxis política.
Não
se há insistido suficientemente no lugar que o Comum tem no
pensamento de Spinoza. Posto que não é somente uma fórmula
abstrata a afirmação de que todos formamos parte de uma mesma
substância, mas também que é uma realidade que possui implicações
em cada um dos aspectos da realidade, ao converter o conhecimento e a
atualização do comum no princípio produtivo do real. O
conhecimento só é possível pelas características comuns que são
compartilhadas pelos modos de existência, e existimos graças aos
encontros e as incorporações entre a multiplicidade de indivíduos
e de corpos, já que todo corpo é um coletivo, tanto cada homem,
como a sociedade e a natureza; e pelo contrário, a destruição, a
morte e a ignorância se baseiam na perda do comum, se baseiam em não
saber sobre aquilo que nos é comum com os outros e o outro, as leis
que compõem a ordem da natureza, e por sua vez, a perda da relação
com aquele e aqueles que nos são comum constitui a enfermidade, a
debilidade, a destruição e a morte, posto que um corpo só pode
existir em relação com outros corpos, que são aqueles que nos
constituem e com aquele corpo que por sua vez forma parte com a
natureza e a sociedade.
Na
sociedade capitalista atual pós-industrial e globalizada, ou
sociedade de controle como chamou Deleuze, o princípio fundamental é
o da perda e da impossibilidade do comum, por uma parte com a
exaltação de um individualismo tão equivocado como irreal, e por
outro lado, com uma política que representa uma economia do
abstrato, cuja mediação possui uma perda de mundo e de real.
A
política da representação no início da modernidade se baseia na
concepção de uma sociedade formada por indivíduos cidadões que
segundo as teorias contratuais concederam a totalidade de seu poder
ao Estado para que este, por sua vez, os garantisse a segurança de
sua vida e de seus bens, conservando como única ação política o
direito a eleger seus representantes em quem se deposita o poder da
totalidade da sociedade. Neste momento e desde aproximadamente a
década de 50 com a inovação dos meios audiovisuais como a
publicidade e a tecnologia de mercado, a política da representação
se reduz a um espetáculo absolutamente midiático onde políticas
públicas são substituídas por imagens publicitárias dos
políticos, com a finalidade de acumular a riqueza e o poder
destituído das massas individualizadas e desarticuladas em sua
coletividade.
A
economia capitalista se baseia na abstração do mundo, como indica
Marx, pois os objetos e seus valores seus substituídos por seu
preço, por uma quantidade de dinheiro, com o qual tudo se converte
em uma cifra e um preço, e a realidade é alienada, se torna outra,
e mesmo sendo comum se converte em uma realidade falsa,
individualista e vazia de conteúdos.
Neste
contexto o comum se converte em uma reinvidicação tão necessária
como crítica, ou alternativa, para fazer frente a dinâmica
destrutiva do regime político e econômico do capitalismo global. E
se apontamos teoricamente que a perspectiva maia-tejolabal pode ser
fundamental para a compreensão de elementos do pensamento de
Spinoza, a dimensão política se torna imprescindível para pensar
as formas em que o pensamento de Spinoza, baseado no comum, pode
enfrentar essa crise social e civilizatória, já que os
maias-tejolabales junto com tzltales, tsotsiles, choles e mames neste
momento estão enfrentando esta situação baseados em sua cultura,
que é a cultura do comum, com o denominado movimento zapatista.
Em um
território do tamanho de Suiça, de aproximadamente 42 mil Km², os
maias contemporâneos que são os zapatistas estão levando a cabo a
experiência política de uma sociedade produzida e ordenada em
função do comum, uma sociedade que baseada na autonomia em todas as
ordens (alimentação, educação, saúde, política), desde 1994,
ano de seu levantamento armado, está demonstrando que outro mundo
radicalmente diferente ainda é possível, e que em função do comum
estão plantando a possibilidade de recuperar o mundo e a realidade
negados sistematicamente pela ordem política e econômica do
capitalismo.
Nas
comunidades zapatistas se vive a autonomia em relação ao governo
mexicano e a dinâmica econômica capitalista a viver em função do
comum, em organização nas quais o governo é denominado “bom
governo”, porque está feito para obedecer, não para mandar; para
servir e não para servir-se; representar, não suplantar; para
baixar, não para subir; para unir, não para dividir; para defender,
não para vender; para revelar, não para ocultar; para produzir a
vida, e não tirá-la; os governantes são pessoas de uma mesma
comunidade que são eleitos na comunidade para postos rotativos que
não são remunerados. Na educação, como na saúde, e todos os
demais aspectos da comunidade, as decisões são tomadas nas
assembléias em que se participam todos e em que todos possuem
responsabilidades diversas na comunidade. E no conjunto de
comunidades existe uma estrutura administrativa construída ao longo
de 20 anos que busca articular o coletivo das comunidades, nas
assembléias que se incluem a todos.
Explicar
a ordem e o movimento do zapatismo e suas comunidades implicaria
outra exposição por si mesma, nesta, somente buscamos mostrar sua
relação com uma possível filosofia política muito próxima com o
pensamento de Spinoza, baseado no comum, e isto, como uma alternativa
real ao desastre do capitalismo global e na cultura em que está
baseado. Para finalizar faremos uma leitura de uma parte do último
pronunciamento do Comando Geral do Exército Zapatista de Liberação
Nacional, emitido na semana passada, no dia 15 de novembro, onde,
como há 20 anos de seu levantamento nos falam de seu propósito a
todos que como eles buscamos a possibilidade de outro mundo.
“Existem
muitas, muitos, muitxs mais
Porque
resulta que os poucos são poucos até que se encontram e descubram
outros.
Então
passará algo terrível e maravilhoso.
E os
que se pensaram poucos e sós, descobrirão que somos maioritários
em todos os sentidos.
E que
são os de cima os que são poucos na verdade.
E
então haverá que transformar o mundo porque não é justo que os
poucos dominem os muitos, as muitas.
Porque
não é justo que haja dominadores e dominados.
Nós
pensamos que as conjunturas que transformam o mundo não nascem dos
calendários que vem cima, se não que criadas pelo trabalho
cotidiano, teimoso e contínuo de quem escolhe organizar-se em lugar
de integrar-se ao modo em torno.
Certo,
haverá uma mudança profunda, uma transformação real neste e em
outro solos doídos do mundo.
Não
uma senão muitas revoluções haverão de sacudir todo o planeta.
Mas o
resultado não será uma mudança de nomes e de etiquetas onde o de
cima segue estando em cima a custo de quem está em baixo.
A
transformação real não será uma mudança de governo, mas de uma
relação, uma relação onde o povo mande e o governo obedeça.
Uma
transformação onde o governo não seja um negócio.
Uma
transformação onde o ser mulher, homem, outrxs, meninas, meninos,
velhos, jovens, trabalhadores, trabalhadoras do campo e da cidade,
não seja um pesadelo, ou uma peça de caça para desfrute e
enriquecimento de governantes.
Uma
transformação onde a mulher não seja humilhada, o indígena
excluído, o jovem desaparecido, o diferente satanizado, as crianças
virem uma mercadoria, a velhice arrombada.
Uma
transformação onde o terror e a morte não reinem.
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